2021 / OS FOTOCINES, em breve

segunda-feira, 29 de março de 2021


FOLHA DE SALA DA CINEMATECA


O projecto OS FOTOCINES nascia enquanto folheava álbuns de fotografia de familiares. Normalmente expansivo, o meu Tio calara-se repentinamente, isolando-se com o álbum da sua guerra colonial nas mãos. Esse mistério demorou-me a reparar nessas imagens ‘‘de acção e aventura’’, que não revelavam concretamente a sua função lá. Foi assim que, sem querer explorar as formas em que o trauma carrega os rostos, idealizei um filme como um projecto para mãos... O objectivo era deixar que os ex-combatentes navegassem através das suas fotografias, mostrando-as e falando somente do que precisassem... Mas, à minha distância de sobrinha-neta, suspendia-se outra questão essencial: quem tirava aquelas fotografias, em plena Guerra Colonial?  


Ao investigar, descobri os Fotocines - soldados do Destacamento de Fotografia e Cinema (DFC), e percebi que havia de ser sobre eles este documentário. Convicto de que havia um carácter de novidade na temática, o produtor Rui Simões, cineasta da revolução e conhecedor dos espólios da época, abraçou prontamente a ideia. Mas se há filmes que se modificam a meio do seu processo de pesquisa, o projecto OS FOTOCINES foi disso exemplo. À medida que, de fio a pavio, submergia sem pé entre os arquivos de filmes e fotografias da guerra colonial, envolvendo-me entre 13 anos de História (que culminariam numa tese de doutoramento), forçou-me o destino a encarar o meu ponto de partida. Pela primeira vez, encontrei o meu tio em imagens em movimento, filmado por Fotocines. Porque tudo se interliga, percebi que era forçoso que estivesse presente atrás e à frente da câmara, narrando em voz própria a minha história. As questões que me inquietavam complexificaram-se precisamente aí: nessa disjunção entre a historiografia ‘‘oficial’’ dos arquivos e a memória individual dos ex-combatentes. Perdida entre legendas falsas, percebi como, a partir do momento em que as imagens adquirem função como mecanismos de ficção estratégica, tornam-se impossíveis de mapear. A menos que os seus autores vivam ainda. 


O testemunho em voz directa tornou-se, portanto, indispensável.  Detalhando uma época de estreita ligação entre o Exército e a RTP, o filme começava por contar a história do DFC, a primeira Escola de Cinema do país, por onde passaram rostos tão reconhecíveis como Júlio Isidro, António Sala, Lauro António ou Pinto de Morais. Fernando Matos Silva e Hélder Mendes partilharam as suas experiências em África enquanto cineastas e repórteres e João Egreja, Fernando Ferreira, Marcelino Marques, António Heleno, Alves Pereira, Sanches Ramos e Marques Valentim explicaram o que era isso de ser Atirador de Fotocine, em Angola, Moçambique e na Guiné. O revolucionário José Paulo Viana relatou os pormenores de um assalto único. E os apoios do Tenente-Coronel Prada (CAVE), do Major Laureano (AGEX) e do Major Cunha Roberto (AHM) foram indispensáveis para actualizar a questão, transparecendo a incrível disponibilidade com que o Exército português abriu plenamente as portas a esta extensiva pesquisa. A jeito de homenagem, a participação de Miguel Nunes como Fotocine-tipo - decalque, agora a cores, da sua icónica personagem no filme Cartas da Guerra (de Ivo M. Ferreira) - aqui esquematizando sumariamente as actividades desempenhadas pelos Fotocines: revelação, ampliação, projecção, montagem, filmagem, fotografia, classificação. 


O filme conheceria uma primeira exibição televisiva no dia da Revolução, facto que não deixa de ser relevante para mim, uma vez que, contas feitas, este projecto inaugura um ponto de viragem fulcral no meu percurso: o formato ''longa-metragem''. Justificava-se: se o seu referente televisivo acabara por tomar parte na sua linguagem do filme, os Fotocines regressavam por esta via à RTP, quase meio século depois. E porque também a Cinemateca Portuguesa faz parte do enredo, por ter dedicado um volume ao fundador do DFC que toda a gente esqueceu depois da Revolução (Baptista Rosa), acarinho ainda muitíssimo a possibilidade de antestreia presencial neste espaço. E recordo particularmente como foi o Professor José Manuel Costa - no entusiasmo com que leccionava Documentário na FCSH ou apontava como salas de estudo o Doc Lisboa, o Doc’s Kingdom ou a Cinemateca - quem melhor exemplificou a miríade de formas em que um documentário pode ser materializado. 


Assim é: partimos para um filme com as mãos abertas para agarrar um qualquer pedaço do mundo. A sua modelação é o árduo problema na base. E se faz parte da força-motriz do género documental este confronto com a realidade, este, em particular, foi múltiplo, amargo, agudizado por um contexto de circunstâncias incomuns. Mas se, até ver, conseguimos ficar longe do COVID, não perdemos o bichinho do Cinema e não saímos das trincheiras: adiante. 





LET'S LOOK AT ''DA TRAILA''

Se agradeço a todos os envolvidos e participantes pela sua disponibilidade e dedicação., o meu primeiro obrigada vai para a Jacinta Barros e o Rui Simões (Real Ficção), por embarcarem na aventura de produzirem comigo uma longa, tendo eu apenas feito algumas curtas de escola e video-ensaios. É vital que os produtores portugueses preservem essa especial sensibilidade de apoiar os jovens realizadores, e que se continuem a materializar esses sonhos chamados filmes.









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