O ensaio audiovisual digital como objecto singular no panorama das imagens em movimento (no reino do digital) apresenta-se como entidade intermédia entre o reino artístico – o cinema e os novos media (sobre o qual versa directamente) – e o território académico e crítico (do qual participa). No entanto, recentemente, os ensaios audiovisuais digitais têm sido acolhidos em secções paralelas de festivais de cinema, têm sido convidados para integrar programas de retrospectiva em cinematecas, têm sido integrados em edições de DVD e têm sido exibidos ocasionalmente em galerias, ainda que de modo tímido.
Nesta passagem do reino digital para o mundo concreto das projecções e exibições públicas o objecto do ensaio audiovisual digital adultera-se, já que, como o cinema, a sua natureza vive sobre três dinâmicas distintas: a matéria enquanto objecto físico ou digital transacionável e maleável, a vida desse objecto nas suas mutações e adaptações ao meio e por fim o seu lado performático, isto é, a forma como se mostra e se vê a cada exibição. Todo o filme (e por consequência todo o ensaio audiovisual) vive no jogo constante entre estas três forças e o que resulta delas é exactamente um manancial de possibilidades onde um objecto audiovisual nunca é isolada e constantemente o mesmo.
Esta questão é da maior actualidade já que as formas que o cinema vem tomando são tantas quantos os ecrãs que o vêm mostrando. Desse modo, não só não será o mesmo filme aquele que é visto em nitrato numa cinemateca ou em ficheiro comprimido que se assiste numa tela móvel de um smartphone, como a experiência do espectador, o seu envolvimento e a sua relação com o objecto é igualmente distinta. Ainda assim damos-lhe o mesmo nome e somos capazes de partilhar ideias e pensamentos em torno desses objectos. O cinema é pois o que sobeja dessas múltiplas encarnações que o próprio vai tomando – uma espécie de língua comum que atravessa todos os formatos e suportes para nos recantos destes se dar a ver, inalterado.
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Na Galeria Germinal, integrado no Festival Reverso 02, decidimos estabelecer uma parceria com o curso livre da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, O Ensaio Audiovisual e a Crítica de Cinema como Prática Criativa, ministrado por Luís Mendonça e Luís Miguel Correia – do qual originaram os ensaios em exibição –, aproximando mais uma vez o universo artístico do académico (qual reflexo da própria natureza do ensaio – audiovisual e não só). Só que essa associação implica, naturalmente, um desmantelamento do digital em favor da concretude do espaço de galeria que acolhe os ensaios audiovisuais digitais.
No processo dessa transferência decidimo-nos por uma provocação: e se os objectos do meio digital se mostrassem em velhinhas televisões de raios catódicos, em formatos distendidos ou amputados, com cores queimadas, com interferências próprias do vídeo, numa espécie de regresso às origens do formato do filme ensaio? De facto esta escolha resultou-nos natural. Tínhamos à mão tanto estes antigos aparelhos como novíssimos plasmas e aparelhos media player, mas ainda assim decidimos apostar (talvez em jeito terrorista, contra as noções de original e de autoria) num objecto que se tornasse também nosso, que integrasse a galeria e dialogasse com os quadros, ilustrações e fotografias que forram as restantes paredes.
Esta mostra de Novos Vídeo-Ensaios é pois tanto um acto de programação em meio de galeria de um objecto que lhe costuma estar alheio, como um gesto de apropriação, à imagem daquilo que os próprios ensaios que programámos fazem com os filmes que ensaiam. Afinal tudo circula e tudo comunica, em loop, claro, em intermináveis loops.
Ricardo Vieira Lisboa
Sabrina D. Marques
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2016 / Reverso 02 - PROGRAMA NOVOS VÍDEO-ENSAIOS / NOVÍSSIMOS REALIZADORES
2016 / Fotografia minha como capa de livro de poesia do brasileiro Leandro Durazzo
2016 / OBLIQUA - Mostra Internacional de Videoarte e Cinema Experimental @ Germinal
A mostra Oblíqua, primeira edição da Exibição Internacional de Videoarte & Cinema Experimental de Lisboa, tem decorrido desde 4 Maio e estende-se até dia 10 de Maio de 2016, entre o Teatro do Bairro, a Galeria Appleton Square, a Fábrica do Braço de Prata, o Instituto Cervantes e a Galeria Germinal.
É uma iniciativa dedicada à criação de um circuito alternativo de exibição e diálogo da videoarte e do cinema experimental a nível internacional.
Os programadores Kerry Baldry (Grã-Bretanha), Mario Gutiérrez Cru (Espanha), Gabriela Leon & Nahú Rodríguez (México), Alessandra Arnò (Itália), Simon Guiochet (França), Duo Strangoloscope (Brasil) e Paulo Botelho Menezes (Portugal) foram convidados a apresentar uma selecção que mostre a produção experimental actual do seu país ou títulos de particular relevância para o panorama experimental contemporâneo.
A Galeria Germinal recebe este evento nos dias 7 e 8 de Maio entre as 15h e as 2h, exibindo loops dos 7 países programados e fazendo, no domingo, a projecção do programa português, que terá particular destaque.
O programa português conta com curtas dos autores:
Sandro Aguilar – Remains (2002)
Eduardo Brito – Linha (2016) / Verão (2014)
Anabela Costa – In Motion (2016)
Tânia Dinis – Linha (2016) /Os teus olhos (2015)
Salomé Lamas – A Torre (2015)
Rita Macedo – Implausible things (excerto) (2014)
Catarina Picciochi – Memento 01/02 (2014)
João Salaviza – Strokkur (2011)